HISTÓRIA DA UMBANDA










UMA RELIGIÃO GENUINAMENTE BRASILEIRA


No final de 1908, Zélio Fernandino de Moraes, um jovem rapaz com 17 anos de idade, que preparava-se para ingressar na carreira militar na Marinha, começou a sofrer estranhos "ataques". Sua família, conhecida e tradicional na cidade de Neves, estado do Rio de Janeiro, foi pega de surpresa pelos acontecimentos.

Esses "ataques" do rapaz, eram caracterizados por posturas de um velho, falando coisas sem sentido e desconexas, como se fosse outra pessoa que havia vivido em outra época. Muitas vezes assumia uma forma que parecia a de um felino lépido e desembaraçado que mostrava conhecer muitas coisas da natureza.

Após examiná-lo durante vários dias, o médico da família recomendou que seria melhor encaminhá-lo a um padre, pois o médico (que era tio do paciente), dizia que a loucura do rapaz não se enquadrava em nada que ele havia conhecido. Acreditava mais, era que o menino estava endemoniado.

Alguém da família sugeriu que "isso era coisa de espiritismo" e que era melhor levá-lo à Federação Espírita de Niterói, presidida na época por José de Souza. No dia 15 de novembro, o jovem Zélio foi convidado a participar da sessão, tomando um lugar à mesa.

Tomado por uma força estranha e alheia a sua vontade, e contrariando as normas que impediam o afastamento de qualquer dos componentes da mesa, Zélio levantou-se e disse: "Aqui está faltando uma flor". Saiu da sala indo ao jardim e voltando após com uma flor, que colocou no centro da mesa. Essa atitude causou um enorme tumulto entre os presentes. Restabelecidos os trabalhos, manifestaram-se nos médiuns kardecistas espíritos que se diziam pretos escravos e índios.

O diretor dos trabalhos achou tudo aquilo um absurdo e advertiu-os com aspereza, citando o "seu atraso espiritual" e convidando-os a se retirarem.

Após esse incidente, novamente uma força estranha tomou o jovem Zélio e através dele falou: 
"- Porque repelem a presença desses espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens. Será por causa de suas origens sociais e da cor ?"

Seguiu-se um diálogo acalorado, e os responsáveis pela sessão procuravam doutrinar e afastar o espírito desconhecido, que desenvolvia uma argumentação segura.

Um médium vidente perguntou: 

"- Por quê o irmão fala nestes termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, são claramente atrasados? Por quê fala deste modo, se estou vendo que me dirijo neste momento a um jesuíta e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual o seu nome irmão?


"- Se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque para mim, não haverá caminhos fechados."

"- O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre e o meu nome era Gabriel Malagrida. Acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano de 1761. Mas em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como caboclo brasileiro."

Anunciou também o tipo de missão que trazia do Astral:

"- Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã (16 de novembro) estarei na casa de meu aparelho, às 20 horas, para dar início a um culto em que estes irmãos poderão dar suas mensagens e, assim, cumprir missão que o Plano Espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.”

O vidente retrucou: 

"- Julga o irmão que alguém irá assistir a seu culto?

Perguntou com ironia. E o espírito já identificado disse:

"- Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei".

Para finalizar o caboclo completou:

"- Deus, em sua infinita Bondade, estabeleceu na morte, o grande nivelador universal, rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornariam iguais na morte, mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Porque não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas socialmente importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além?"

No dia seguinte, na casa da família Moraes, na rua Floriano Peixoto, número 30, ao se aproximar a hora marcada, 20:00 h, lá já estavam reunidos os membros da Federação Espírita para comprovarem a veracidade do que fora declarado na véspera; estavam os parentes mais próximos, amigos, vizinhos e, do lado de fora, uma multidão de desconhecidos.



Às 20:00 h, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Declarou que naquele momento se iniciava um novo culto, em que os espíritos de velhos africanos que haviam servido como escravos e que, desencarnados, não encontravam campo de atuação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas em sua totalidade para os trabalhos de feitiçaria; e os índios nativos de nossa terra, poderiam trabalhar em benefício de seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social.

A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, seria a característica principal deste culto, que teria por base o Evangelho de Jesus.

O Caboclo estabeleceu as normas em que se processaria o culto. Sessões, assim seriam chamados os períodos de trabalho espiritual, diárias, das 20:00 às 22:00 h; os participantes estariam uniformizados de branco e o atendimento seria gratuito. Deu, também, o nome do Movimento Religioso que se iniciava: UMBANDA – Manifestação do Espírito para a Caridade.

A Casa de trabalhos espirituais que ora se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como Maria acolheu o filho nos braços, também seriam acolhidos como filhos todos os que necessitassem de ajuda ou de conforto.
Ditadas as bases do culto, após responder em latim e alemão às perguntas dos sacerdotes ali presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou a parte prática dos trabalhos.
O caboclo foi atender um paralítico, fazendo este ficar curado. Passou a atender outras pessoas que haviam neste local, praticando suas curas.
Nesse mesmo dia incorporou um preto velho chamado Pai Antônio, aquele que, com fala mansa, foi confundido como loucura de seu aparelho e com palavras de muita sabedoria e humildade e com timidez aparente, recusava-se a sentar-se junto com os presentes à mesa dizendo as seguintes palavras:


"- Nêgo num senta não meu sinhô, nêgo fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nêgo deve arrespeitá."

Após insistência dos presentes fala:

"- Num carece preocupá não. Nêgo fica no toco que é lugá di nego."

Assim, continuou dizendo outras palavras representando a sua humildade. Uma pessoa na reunião pergunta se ele sentia falta de alguma coisa que tinha deixado na terra e ele responde:

"- Minha caximba. Nêgo qué o pito que deixou no toco. Manda mureque busca."

Tal afirmativa deixou os presentes perplexos, os quais estavam presenciando a solicitação do primeiro elemento de trabalho para esta religião. Foi Pai Antonio também a primeira entidade a solicitar uma guia, até hoje usadas pelos membros da Tenda e carinhosamente chamada de "Guia de Pai Antonio".

No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na rua Floriano Peixoto. Enfermos, cegos etc. vinham em busca de cura e ali a encontravam, em nome de Jesus. Médiuns, cuja manifestação mediúnica fora considerada loucura, deixaram os sanatórios e deram provas de suas qualidades excepcionais.

A partir daí, o Caboclo das Sete Encruzilhadas começou a trabalhar incessantemente para o esclarecimento, difusão e sedimentação da religião de Umbanda. Além de Pai Antônio, tinha como auxiliar o Caboclo orixá Malé, entidade com grande experiência no desmanche de trabalhos de baixa magia.

Em 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens do Astral Superior para fundar sete tendas para a propagação da Umbanda. As agremiações ganharam os seguintes nomes: 

Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia; 

Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição; 

Tenda Espírita Santa Bárbara; 

Tenda Espírita São Pedro; 

Tenda Espírita Oxalá;

Tenda Espírita São Jorge; 

Tenda Espírita São Jerônimo. 

Enquanto Zélio estava encarnado, foram fundadas mais de 10.000 tendas a partir das mencionadas.

Embora não seguindo a carreira militar para a qual se preparava, pois sua missão mediúnica não o permitiu, Zélio Fernandino de Moraes nunca fez da religião sua profissão. Trabalhava para o sustento de sua família e diversas vezes contribuiu financeiramente para manter os templos que o Caboclo das Sete Encruzilhadas fundou, além das pessoas que se hospedavam em sua casa para os tratamentos espirituais, que segundo o que dizem parecia um albergue. Nunca aceitara ajuda monetária de ninguém era ordem do seu guia chefe, apesar de inúmeras vezes isto ser oferecido a ele.


Ministros, industriais, e militares que recorriam ao poder mediúnico de Zélio para a cura de parentes enfermos e os vendo recuperados, procuravam retribuir o benefício através de presentes, ou preenchendo cheques vultosos. "- Não os aceite. Devolva-os!", ordenava sempre o Caboclo.


A respeito do uso do termo espírita e de nomes de santos católicos nas tendas fundadas, o mesmo teve como causa o fato de naquela época não se poder registrar o nome Umbanda, e quanto aos nomes de santos, era uma maneira de estabelecer um ponto de referência para fiéis da religião católica que procuravam os préstimos da Umbanda

O ritual estabelecido pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas era bem simples, com cânticos baixos e harmoniosos, vestimenta branca, proibição de sacrifícios de animais. Dispensou os atabaques e as palmas. Capacetes, espadas, cocares, vestimentas de cor, rendas e lamês não seriam aceitos. As guias usadas são apenas as que determinam a entidade que se manifesta. Os banhos de ervas, os amacis, a concentração nos ambientes vibratórios da natureza, a par do ensinamento doutrinário, na base do Evangelho, constituiriam os principais elementos de preparação do médium.

O ritual sempre foi simples. Nunca foi permitido sacrifícios de animais. Não utilizavam atabaques ou qualquer outros objetos e adereços. Os atabaques começaram a ser usados com o passar do tempo por algumas das Tendas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas a Tenda Nossa Senhora da Piedade não utiliza em seu ritual até hoje.

Após 55 anos de atividades à frente da Tenda Nossa Senhora da Piedade (1º templo de Umbanda), Zélio entregou a direção dos trabalhos as suas filhas Zélia e Zilméa, continuando, ao lado de sua esposa Isabel, médium do Caboclo Roxo, a trabalhar na Cabana de Pai Antônio, em Boca do Mato, distrito de Cachoeiras de Macacu – RJ, dedicando a maior parte das horas de seu dia ao atendimento de portadores de enfermidades psíquicas e de todos os que o procuravam.



Em 1971, a senhora Lilia Ribeiro, diretora da TULEF (Tenda de Umbanda Luz, Esperança, Fraternidade – RJ) gravou uma mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas, e que bem espelha a humildade e o alto grau de evolução desta entidade de muita luz. Ei-la:

"A Umbanda tem progredido e vai progredir. É preciso haver sinceridade, honestidade e eu previno sempre aos companheiros de muitos anos: a vil moeda vai prejudicar a Umbanda; médiuns que irão se vender e que serão, mais tarde, expulsos, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. O perigo do médium homem é a consulente mulher; do médium mulher é o consulente homem. É preciso estar sempre de prevenção, porque os próprios obsessores que procuram atacar as nossas casas fazem com que toque alguma coisa no coração da mulher que fala ao pai de terreiro, como no coração do homem que fala à mãe de terreiro. É preciso haver muita moral para que a Umbanda progrida, seja forte e coesa. Umbanda é humildade, amor e caridade – esta a nossa bandeira. Neste momento, meus irmãos, me rodeiam diversos espíritos que trabalham na Umbanda do Brasil: Caboclos de Oxossi, de Ogum, de Xangô. Eu, porém, sou da falange de Oxossi, meu pai, e não vim por acaso, trouxe uma ordem, uma missão. Meus irmãos: sejam humildes, tenham amor no coração, amor de irmão para irmão, porque vossas mediunidades ficarão mais puras, servindo aos espíritos superiores que venham a baixar entre vós

é preciso que os aparelhos estejam sempre limpos, os instrumentos afinados com as virtudes que Jesus pregou aqui na Terra, para que tenhamos boas comunicações e proteção para aqueles que vêm em busca de socorro nas casas de Umbanda. Meus irmãos: meu aparelho já está velho, com 80 anos a fazer, mas começou antes dos 18. Posso dizer que o ajudei a casar, para que não estivesse a dar cabeçadas, para que fosse um médium aproveitável e que, pela sua mediunidade, eu pudesse implantar a nossa Umbanda. A maior parte dos que trabalham na Umbanda, se não passaram por esta Tenda, passaram pelas que saíram desta Casa. Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao planeta Terra na humildade de uma manjedoura, não foi por acaso. Assim o Pai determinou. Podia ter procurado a casa de um potentado da época, mas foi escolher aquela que havia de ser sua mãe, este espírito que viria traçar à humanidade os passos para obter paz, saúde e felicidade. Que o nascimento de Jesus, a humildade que Ele baixou à Terra, sirvam de exemplos, iluminando os vossos espíritos, tirando os escuros de maldade por pensamento ou práticas

que Deus perdoe as maldades que possam ter sido pensadas, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares. Fechai os olhos para a casa do vizinho; fechai a boca para não murmurar contra quem quer que seja; não julgueis para não serdes julgados; acreditai em Deus e a paz entrará em vosso lar. É dos Evangelhos. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos companheiros que me rodeiam neste momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos melhorados e curados, e a saúde para sempre em vossa matéria. Com um voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, sou e sempre serei o humilde Caboclo das Sete Encruzilhadas".

Dia 16 de setembro de 2010, faleceu Dona Zilméia de Moraes, a única dos quatro filhos de Zélio de Moraes, fundador da Umbanda, que ainda estava encarnada. Fica mais órfã a Umbanda a partir de agora!



Casa onde foi fundada a umbanda, em São Gonçalo, será demolida esta semana 





A estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o proprietário, ainda para esta semana. Poderia ser uma simples obra, não fosse um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última testemunha do nascimento da umbanda.

Foi no imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século 20 —, que Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da religião. Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação religiosa 100% brasileira.

— A demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda, presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade que orientou Zélio a fundar a religião.

Espíritos tristes

A notícia também surpreendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná. Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as origens da religião.

— Imagino que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela.

Há mais de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende transformar o local em um depósito e uma loja.

— Eu nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não posso deixar de demolir — explica-se.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.

De acordo com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai, Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.

‘Tudo acabou’

O terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade — funcionou por pouco anos em São Gonçalo. Os primeiros umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.

Primeiro, o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze. A rua foi extinta, na década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao Terminal Rodoviário da Central do Brasil.

Uma nova mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.

— Tudo acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. O terreiro agora funciona em uma sede própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.

Capela de São Pedro

Antes de ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica. A última moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.

— Não tenho preconceito, não. Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.




Prefeita de São Gonçalo não é mais importante que a Umbanda




Assim que surgiu o noticiário sobre a demolição da casa onde nasceu a Umbanda, no município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, conversei com o Secretário de Obras daquela Prefeitura, Valmir Barros.

Aquele imóvel, onde nasceu a Umbanda, hoje é de propriedade de Verônica Matta da Silva Costa, tendo dado entrada do pedido de licença em 13 de abril deste ano. 


A licença para demolição foi concedida pela prefeita Aparecida Panisset (que é evangélica), e a construção de um galpão, no lugar do berço da Umbanda, teve início no último dia 6 de julho (2011).


Esse episódio encerra várias lições para todos nós, umbandistas. 


Existem dezenas de terreiros de Umbanda e Candomblé que têm história. E que devem ser preservados, não pelo simples fato de serem terreiros, mas sobretudo, pelo seu significado cultural.


O maior exemplo de preservação de templos históricos vem da Igreja Católica, que – com a ajuda governamental – mantém intactas igrejas centenárias, algumas tombadas e reconhecidas como patrimônio mundial pela Unesco.


Em todo o Brasil, temos terreiros que são conhecidos por denominações diversas: Umbanda, Candomblé, Catimbó, Xangô, Batuque, Jurema etc, conforme o Estado de origem.


Alguns têm quase 100 anos. E devem ser preservados através de um movimento que parta de nossos irmãos em cada estado brasileiro. Como foi a Casa de Menininha do Gantois, na Bahia.


De quem é a responsabilidade nesse episódio de São Gonçalo, em que o centro onde Zélio de Moraes anunciou a criação da Umbanda, foi demolido em abril deste ano?


Vamos aos fatos. E fatos não são opiniões. Fatos são fatos. São inquestionáveis. Aconteceram. 


 A prefeita Aparecida Panisset, conhecida pela sua posição religiosa radical, com origem na Igreja Nova Vida (neopentecostal) dificilmente moveria uma palha para desapropriar aquele imóvel, salvando-o da demolição.

A mídia daquela cidade tem denunciado os benefícios governamentais da Panisset destinados aos neopentecostais gonçalenses: igrejas, funcionários, carros e  contratação de religiosos.


No seu primeiro ano de governo, segundo a imprensa, Aparecida Panisset ameaçou proibir a tradicional procissão e o tapete de sal de Corpus Christi, tradições católicas.


Numa longa entrevista ao jornal Extra (RJ), Aparecida Panisset se apresenta quase como uma personagem bíblica quando fala de si por meio de parábolas.


A prefeita de São Gonçalo, contudo, não é mais importante do que a Umbanda.


Não será pela omissão criminosa da prefeita Aparecida Panisset, que poderia ter impedido a demolição do primeiro imóvel da Umbanda através de um simples decreto de tombamento, que nossa religião deixará de avançar. 


Pelo contrário, esse ato covarde só nos anima a avançar mais ainda.


Nenhuma outra religião no Brasil foi mais perseguida, humilhada, vilipendiada e agredida do que a Umbanda. Nenhuma!


Primeiro, foram os colonizadores que impingiram o sincretismo religioso aos escravos.


Depois, vieram as proibições aos cultos, que partiam de ordens das autoridades, chegando ao cúmulo das invasões pela policia dos terreiros, com médiuns presos, atabaques e símbolos religiosos destruídos.


Depois, na década de 80, grupos de ditos neopentecostais, na verdade, membros de seitas eletrônicas, fizeram de tudo para destruir a Umbanda, notadamente no Rio de Janeiro. A certeza de que seriam vitoriosos era tão grande, que partiram para cima da Igreja Católica, chegando a exibir na TV imagens de "bispos" chutando a imagem de Nossa Senhora da Aparecida.


Não conseguiram nos destruir. Não fecharam os terreiros. Não calaram nossos atabaques.


A Umbanda continua. Sem dízimo. Sem recursos. Sem emissoras de Rádio e TV. Sem ajuda do governo. Nada. Continua graças à fé nos espíritos de luz
.


Por isso, a demolição da casa onde Zélio de Moraes anunciou a Umbanda, é apenas mais um episódio – doloroso, é verdade – na caminhada da nossa religião.


Daqui a um ano, a hoje prefeita Aparecida Panisset deixará a prefeitura de São Gonçalo. Pode até conquistar um ou outro cargo político. Mas, seu destino final está traçado: o ostracismo, o mais absoluto esquecimento.


Daqui a mais alguns anos, ninguém se lembrará de quem foi Aparecida Panisset. Em São Gonçalo, um ou outro se lembrará da ex-prefeita. Não deixará boas lembranças. Nenhum legado administrativo. Ou grande obra. Nada.


Ninguém no Estado Rio de Janeiro, e muito menos do Brasil, se lembrará de uma prefeita, que num dos municípios com maior desigualdade social do Estado do Rio de Janeiro, foi denunciada por proibir a procissão de Corpus Christi e demolir a primeira casa de Umbanda.
Aparecida Panisset desaparecerá no resíduo da História. 


A Procissão de Corpus Christi e a Umbanda continuarão vivas. Vivas na memória e nos corações dos brasileiros.


UMBANDA UNIDA, UMBANDA FORTE!






ONG Pedirá Investigação do MP Estadual


A derrubada da casa já provoca polêmica. A ONG Projeto Legal irá pedir ao Ministério Público estadual que seja instaurado um inquérito civil público para apurar a responsabilidade do dano ao patrimônio histórico. Militantes de movimentos em favor da liberdade religiosa irão se reunir, às 14h desta quarta-feira (2011), para um abraço simbólico à casa. Já a prefeita Aparecida Panisset, que é evangélica, não se pronunciou sobre o caso.


Berço da Umbanda foi Demolido 

Não houve tempo para o tombamento histórico da casa centenária onde a umbanda foi criada. A fachada do imóvel começou a ser destruída nesta segunda-feira à tarde. A previsão é que a residência vá abaixo até sexta-feira, de acordo com a previsão do mestre de obras Gilson Derbui, de 54 anos, que trabalha no terreno há quatro meses.

- Essa casa está em ruínas. A madeira está cheia de cupim e poderia ocorrer um desabamento a qualquer momento - explicou. 

No local que foi o berço mundial da umbanda, será construída uma loja de alumínio. 




Fontes: 



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